Crônicas




Essa sou eu

Sou um produto resultante de uma forma única, projetada e executada por dois arquitetos diplomados nas especialidades das artes divinas, forma essa, que após usada foi jogada fora e cujos autores não forneceram cópia a ninguém. Assim como, todos os outros seres vivos da Terra.

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Conversa comigo mesma


Neste isolamento coloquei a conversa comigo mesma, em dia.
Quantos assuntos inacabados encontrei nas gavetas de minha memória, e que, por nunca ter tempo, os deixei assim, pela metade. Nem todos, alguns até faltava pouco para concluir, outros apenas começados, mas a maioria, pela metade.
Em cada uma das gavetas abertas, um assunto encontrado.
Cada assunto, algo que ficou por fazer ou por concluir.
Só que percebi, esses assuntos, nenhum deles posso levar a termo agora, porque alguns já perderam a importância, outros não tem mais validade, outros ainda não me causam mais o interesse que na ocasião poderia ter tido.
Todos eles perderam seu valor.
Aí pensei, será que se alguns deles houvesse concluído, hoje seria diferente?
Quem pode saber! Pois alguns desses assuntos foram apenas sonhos, e os sonhos, permanecem como tal para sempre.

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Quarentena

Entramos de quarentena dia 20 de Março de 2020, meu gato e eu. Para quem trabalhou uma vida inteira, ficar fechada dentro de casa com um gatinho de um ano, parecia ser um pouco estressante e cansativo. Só que no transcorrer dos dias, conforme as coisas foram acontecendo, fomos nos adaptando.
O estranho foi que, repentinamente, nos primeiros dias, passei a ser o centro das atenções da família, das vizinhas e de funcionários. Sempre havia alguém ao telefone, no WhatsApp ou na porta perguntando se precisava de algo. No início fiquei um tanto pensativa, será que vou morrer logo? Mas, com a insistência dos abnegados colabores na ajuda oferecida, fui acostumando com a vida boa e recebia tudo na porta. Coisa fácil de acostumar. Sem trabalhar, com uma dezena de solícitos fornecedores sempre disponíveis, nada mau.
Porém, sempre há um porém, não? Porém, conforme o andar da pandemia se desenrolava, os colaboradores foram se dispersando, e após alguns dias de confinamento, não restou mais ninguém. Vez ou outra, uma das filhas se interessa, ora uma, ora outra.
Como vemos, tudo o que é novidade se torna apreciável, mas quando vira rotina se torna paisagem conhecida, e aí o interesse se vai.
No entanto, por incrível que pareça, gostamos disso tudo, meu gato e eu.

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A Consciência é um mistério?

Consciência é a parte da mente humana que traz o conhecimento de se estar sabendo de algo, ou que dá a certeza de que alguma coisa existe no mundo objetivo, inclusive nós mesmos.
Para alguns, ter consciência de, é saber que o fenômeno está lá, seja este qual for. Desde Descartes (Penso, logo existo) até Damásio[1], a mente humana foi dissecada de diversas formas, mas ainda não se tem conclusões científicas definitivas sobre o assunto.
Por isso existe ainda muito que se pesquisar sobre a mente do homem. A neurociência engatinha pelos meandros do pensamento humano, procurando revelar cientificamente o que se passa pelo cérebro em função da dor, tristeza, alegria, amor, entre outros fatores abstratos da vida. Mas, para o ser humano, estar consciente, (com + ciência) é saber dos fatos. E isto tudo, se passa unicamente no cérebro, com conhecimento apenas de quem está pensando.
Podemos dizer que a Consciência, vem da necessidade de nos mantermos respirando.
Para quem vive em um sistema complexo de imaginação, criatividade e planejamento da vida, ser consciente é primordial. É isto que nos diferencia de uma máquina, ou um robô. É isso que nos dá a certeza de que somos algo mais no contexto da vida.
A Consciência no sentido Místico nos faz perceber, o que somos junto ao Universo, e o que fazemos para melhoria das coisas e de nós mesmos.  Porque Consciência também implica em se fazer justiça, ter a sabedoria de utilizar a mente para o bem, ou em não prejudicar ninguém.
Estar consciente é saber que existimos, e que Deus também existe.



[1] Antonio Damásio, neurologista português radicado nos Estados Unidos, escreveu o livro "O Mistério da Consciência", entre outros. 

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Desabafo 'escrivinhatório'

Penso ser poetisa, ou apenas uma escrevinhadora de versos. Não sou contista, apenas uma contadora de causos. Não sou romancista, apenas transformo os fatos da vida em palavras. Por isso não faço sombra a ninguém. Escrevo por prazer desde criança, mas não vivo disso, nem pretendo viver.
Os prêmios que recebi foram por pura sorte e nenhum deles é de significância, de forma tal que possam trazer aspirações maiores. Gosto de mencionar alguns, porque me deram grande alegria recebê-los.
Qualquer um pode colocar no papel suas ideias, seus anseios, suas conquistas e tragédias, porque todos têm a liberdade de dizer o que pensam, e para isso usam de seu livre arbítrio.
Somos livres em um país livre.
Embora, muitas vezes leio em livros, blogs, sites de literatura, tanta asneira, tanta coisa mal escrita, com erros gritantes de ortografia e gramática e sem nenhum raciocínio lógico, que fico pensando onde está o bom senso de cada um.
Mas, o planeta não pode ser consertado por poucos em nenhum setor. No entanto, podemos gritar para ver se alguém nos ouve. Aliás, este Planeta Azul, talvez se torne cinza por falta de oxigênio que o próprio homem destrói. Então por que reclamar de coisas tão simples como escrever.
Afinal, no andar da carruagem do jeito que vai, partimos para mais um ‘Dilúvio’, pois o caos impera em todas as esferas. Daqui a pouco voltamos às origens, todo mundo nus e analfabetos.
Porque analfabeto não é o que não sabe ler.
E sábio não é o que possui alguns diplomas.

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As crenças humanas


O ser humano tem a tendência inata de crer em alguma coisa. Já na idade da pedra, quando a mente ainda reinava pelas obscuridades de um nascer, o homo já deixava pelas paredes das cavernas imagens do que considerava sagrado, na necessidade de sentir-se protegido por algo superior.

O mundo evoluiu. Criaram-se religiões e crenças diversas, porque o íntimo do ser humano continuou a precisar de algo maior em que acreditar.

Aí surgem os que pretendem saber como fazer as pessoas a melhorar de vida, e oferecem ajuda através de livros, amuletos os mais diversos e conselhos não solicitados.

Por falar em amuletos, uma ferradura atrás da porta, um lenço na janela, uma cruz pendurada no peito, um pé de coelho no molho de chaves. E quem sabe um elefante na cozinha ou um pinguim na geladeira. Coisas da vida!

Mas, se deixarmos de trabalhar e lutar pela vida verá se o ‘segredo’ trará o que comer e o que vestir.

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Dr. Fredi


Dr. Frederico, nascido de família de classe média no Estado de Goiás no Brasil, lutou muito para chegar aos títulos de doutor em Ciências Sociais e PhD em Literatura Inglesa pela UCLA. Conseguiu por méritos, cadeira de destaque em uma das mais conceituadas Universidade do País como Professor de Língua Inglesa, onde lecionou por cinco anos. Poliglota, falava fluentemente francês, inglês, alemão e italiano.

Casou-se com uma jovem colega de profissão. Ele já não era tão jovem. Saíram para a lua de mel no dia quatorze de maio após ruidosa e badalada festa e vários drinques de tequila açucarada. Na viagem iniciada cheia de esperanças, a presença da jovem e bela noiva ao lado tirara sua atenção da estrada que, por si só já era perigosa. Em uma curva acentuada o carro desgovernou e precipitou-se por uma ribanceira. A bela e jovem esposa morreu no local. Ele salvou-se por puro milagre. Por isso ele acreditava em Santos e no Paraíso, onde, tinha certeza, sua amada estava a lhe esperar.

Durante vários meses enfrentou os dissabores de uma recuperação difícil, e a desagradável pressão da família da noiva que o acusava pela morte dela. Entrou em depressão. Profunda depressão que ninguém percebia, porque estavam mais preocupados em acusá-lo do que ajudá-lo em qualquer coisa que fosse.

Depressivo e doente saiu para as ruas da grande cidade, e nunca mais voltou para casa, nem para a Universidade. Na rua passou a ser simplesmente Fredi. Juntou-se aos demais mendigos que perambulavam pelas periferias, e aprendeu como viver sem trabalhar. Mas, diferentemente dos demais, pedia apenas para sobreviver e beber. Era honesto. Quando pedia, dizia: “Me dá um dinheiro que preciso beber. E se puder me arranja um prato de comida.” Quando perdeu a vergonha de seu estado de mendicância, passou a pedir nas portas das Universidades aos jovens, que segundo ele, ficavam penalizados mais facilmente. Os mais velhos não lhe davam muito. Quando ganhava mais do que precisava, repartia com os colegas mendigos que não tiveram tanta sorte no dia. E assim viveu por dez anos. Por falta de cuidados médicos adequados nunca ficou bem curado do acidente. Mancava de uma perna e de vez em quando vomitava sangue. Seus amigos de rua não davam a mínima para isso, ali todos tinham algum problema, e o mais grave eram as drogas. Mas ele, Fredi, apenas se embebedava. A cachaça ajudava a não sentir muitas dores e lhe permitia longas horas de sono debaixo de alguma árvore ou marquise. Mesmo sem cobertor.

Conheci Fredi quando ele já não tinha mais vergonha de nada. Já ia pedir até na Universidade onde seu nome ainda constava do corpo docente, mas onde nunca mais entrou sequer pelos corredores.

Um dia me sentei ao lado dele na calçada em frente a um Supermercado, dei-lhe um copo de leite com sanduíche, e um comprimido para dor. Após alguns momentos passei a lhe fazer perguntas. Ele respondeu a todas elas como se estivesse em uma cátedra defronte de interessados alunos. Foi nesse dia que soube de toda sua história.

Uma semana depois, quando o procurei entre os mendigos seus amigos, fiquei sabendo que falecera um dia depois de minha conversa com ele. Pensei então, nas inúmeras vezes que ele dizia quando me encontrava em algum lugar qualquer, a cada dia em um idioma diferente: “Madame, você é a rainha de meu dia.” Ainda posso ouvir sua voz melodiosa, que mesmo nos vapores do álcool não deixava de ser educada e gentil.

Dr. Frederico, que quando pedia esmolas declamava poesias em inglês, francês, alemão, italiano e num impecável português, hoje estava em uma vala comum em um dos cemitérios da periferia, porque seus amigos não sabiam de onde ele surgira e nem a que família pertencia. Para eles, era apenas o Fredi.

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