segunda-feira, 23 de outubro de 2017

A seca

Uma solitária cigarra, desesperada, chama chuva no Planalto Central. A secura invade os poros dos seres, fazendo de tudo o que tem vida, sem vida. Folhas secas despencam das árvores moribundas, caindo na terra ressequida, já sem nenhum verde, nenhum inseto. Os pássaros voaram para longe em busca do frescor que aqui não tem. O João de Barro que anuncia a chuva, foi para longe. O sol a pino despenca raios matadouros, que há muito deixaram de ser benfazejos. Saudade da chuva caindo e molhando o chão. Saudade das rosas em seu frescor matinal. Saudade de água caindo do céu, mansa, suave, fresquinha.
 Ah! Meu chão! Meu torpor!

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Fria neve

Vi uma florzinha resistindo à neve que arroxeava os lábios das crianças,
Vi um pássaro perdido nos galhos secos e chorosos de uma árvore branca,
Não vi sorrisos, apenas esgares, caminhantes de rostos enregelados,
Mas sorri feliz por estar viva, entre tantos pontos de luz envidraçados.

sábado, 3 de junho de 2017

Tempos Idos


Quando minha mãe fazia uma geléia, uma cuca, um doce de leite da hora, mandava sempre um "pratinho" para uma das vizinhas. Hora era uma, ora era outra. Dizia: vai num pé e volta noutro, nada de ficar brincando com "fulaninha". Então eu ia. E para retribuir, quando essas vizinhas faziam algo diferente, também mandavam um tanto para nós.
Havia também, as Visitas no meio da tarde ou à noite, sem aviso, era só chegar. Todos eram bem-vindos ao convívio de todos. Sempre havia na despensa ou nos armários, doces, compotas, licores, biscoitinhos, bolachinhas, sequilhos, e o insubstituível pão caseiro assado no forno de brasa, para servir a essas visitas inesperadas. 
Era assim nas cidades interioranas, todos unidos para viver uma vida que hoje ninguém sonha que existiu. A vida comunitária de verdade. Aquela vida onde as receitas deliciosas eram passadas nos cadernos de linha, à lápis, por mãos quase sempre muito calejadas pelas lidas diárias. Lidas essas que não impediam ninguém de ser amigos, fazer visitas, levar o último licor da fruta da época feito nas imensas cozinhas, que no interior eram mais sala de visita que cozinha, e onde tinha sempre algo em cima do fogão ou no forno, esperando para ser consumido. 
Gente trabalhadora, esforçada, honesta, onde o fio de bigode valia mais que uma promissória. As casas simples eram feitas por eles mesmos, as camas, colchões, cadeiras e mesas também. Os fornos e fogões eram de barro ou tijolos. Esses, vindos da olaria do amigo que fazia para uso próprio, e distribuía aos conhecidos que não sabiam fazer. E recebia desses amigos aquilo que ele não sabia fazer.
Como está longe esse tempo! Aliás, não está muito longe, está aqui no meu coração saudoso, guardado com carinho, e o vejo lá escondidinho nas gavetas de minha saudade.
Tempos idos, tempos inesquecíveis, mas esquecidos.

sexta-feira, 31 de março de 2017

Uma Carta

Envelope branco selado,
Com letras redondas escrito,
No verso, esse nome vedado,
Que há muito eu havia esquecido.
Não sei se devo, ou não devo,
A dúvida cruel insiste,
Pois no coração ainda existe,
Prevenção, mágoa e muito medo.
Deixo o carteiro na calçada,
Já convencida, subo a escada,
Amasso o indefeso papel.
Acertando a cesta do lixo
Jogando com ele o capricho,
amor, dor e o amargo do fel.

Pensamento