sábado, 3 de junho de 2017

Tempos Idos


Quando minha mãe fazia uma geléia, uma cuca, um doce de leite da hora, mandava sempre um "pratinho" para uma das vizinhas. Hora era uma, ora era outra. Dizia: vai num pé e volta noutro, nada de ficar brincando com "fulaninha". Então eu ia. E para retribuir, quando essas vizinhas faziam algo diferente, também mandavam um tanto para nós.
Havia também, as Visitas no meio da tarde ou à noite, sem aviso, era só chegar. Todos eram bem-vindos ao convívio de todos. Sempre havia na despensa ou nos armários, doces, compotas, licores, biscoitinhos, bolachinhas, sequilhos, e o insubstituível pão caseiro assado no forno de brasa, para servir a essas visitas inesperadas. 
Era assim nas cidades interioranas, todos unidos para viver uma vida que hoje ninguém sonha que existiu. A vida comunitária de verdade. Aquela vida onde as receitas deliciosas eram passadas nos cadernos de linha, à lápis, por mãos quase sempre muito calejadas pelas lidas diárias. Lidas essas que não impediam ninguém de ser amigos, fazer visitas, levar o último licor da fruta da época feito nas imensas cozinhas, que no interior eram mais sala de visita que cozinha, e onde tinha sempre algo em cima do fogão ou no forno, esperando para ser consumido. 
Gente trabalhadora, esforçada, honesta, onde o fio de bigode valia mais que uma promissória. As casas simples eram feitas por eles mesmos, as camas, colchões, cadeiras e mesas também. Os fornos e fogões eram de barro ou tijolos. Esses, vindos da olaria do amigo que fazia para uso próprio, e distribuía aos conhecidos que não sabiam fazer. E recebia desses amigos aquilo que ele não sabia fazer.
Como está longe esse tempo! Aliás, não está muito longe, está aqui no meu coração saudoso, guardado com carinho, e o vejo lá escondidinho nas gavetas de minha saudade.
Tempos idos, tempos inesquecíveis, mas esquecidos.